Quinta-feira, 28 de março de 2024
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Educação para a paz

Por Carla Oliveira *


Vivemos em um mundo cada vez mais violento, onde a impaciência, o desrespeito e o egoísmo parecem ter tomado conta das pessoas. Será possível ensinar a cultura da paz, da tolerância e da compaixão às crianças em meio a esse contexto?

Nos dias de hoje, é unânime a impressão de que a violência bate cada vez mais perto da nossa porta e cada vez com mais intensidade. A violência acontece em todos os lugares, o tempo todo. Estamos falando de guerras e crimes como agressões físicas, assaltos, roubos, atropelamentos, assassinatos. Mas estamos falando também de outras formas mais sutis de violência, como a falta de tolerância e o desrespeito entre as pessoas, a falta de civilidade, o individualismo exacerbado que nos impede de enxergar as necessidades alheias.


A boa notícia é que, ao mesmo tempo em que cresce a violência, felizmente, cresce também o número de pessoas inconformadas com essa situação. Em meados da década de 80 foi criada a Universidade da Paz (Unipaz), a partir da fusão da Universidade Holística Internacional com a Fundação Cidade da Paz, localizada em Brasília. Hoje, a Unipaz tem unidades em diversos países e desenvolve, entre outras atividades, o seminário "A arte de viver em paz", que foi premiado pela UNESCO.


Outra iniciativa importante é o Projeto Omnisiciência, coordenado por Maeve Vida, que busca difundir a cultura da paz por vários meios: livros, palestras, cursos e atividades para crianças, como contação de histórias dos grandes mestres espirituais da humanidade, música, meditação etc. Maeve também é jornalista, professora de meditação para crianças, mãe de três filhos e co-autora do livro Gandhi - o Herói da Paz, que tem como público-alvo as crianças e os jovens.


Iniciativas como essas valorizam a educação e conscientização como ferramentas fundamentais para combater a violência e difundir a paz. E, claro, quando se fala em educação, não se pode deixar de falar das crianças, pois é na infância que se devem concentrar os esforços para a construção do caráter dos indivíduos. Abaixo, você confere nossa entrevista com Maeve Vida, que, definitivamente, não deixa dúvidas; o caminho para um mundo mais pacífico começa mesmo dentro de casa!

O que é a educação para a paz?

Educar para paz é estar pronto para a auto-educação a todo momento. Não é possível querer exigir de uma criança a tolerância, a calma, a gentileza se não formos o seu maior exemplo. Gandhi nos ensinou de forma concisa e clara: "Seja você a mudança que quer ver no mundo."

Paz é algo que se aprende ou depende do caráter de cada indivíduo?

A paz é inata ao ser humano. Faz parte de nossa essência divina. Precisamos apenas entrar em contato com ela, mergulhando dentro de nós. Claro que teremos que passar por muitas ruas escuras lá dentro, até encontrarmos a claridade da paz. E é por isso que a maioria das pessoas prefere tentar buscar, em vão, a paz aqui fora.


A violência está em todos os lugares - no trânsito, nas ruas, nas escolas e até dentro de casa. Conviver com essa realidade pode fazer com que as crianças tenham uma visão de mundo em que a violência é vista como algo inevitável?


Não. Se a criança tiver a referência correta do que é o certo, se ouvir muitas histórias dos exemplos das vidas dos grandes mestres da humanidade, ela sentirá compaixão das pessoas que não conseguem exercer o auto-controle, compreendendo o porquê deles estarem se comportando de forma violenta.


Como evitar que a violência seja vista como algo banal e rotineiro, mas sim como um fator inaceitável, que deve ser combatido, e como incluir as crianças nesse processo?


Sendo nós mesmos, a todo momento, pacíficos e tolerantes com todas as pessoas.


Além da violência propriamente dita, o individualismo, a competitividade, o consumismo e o narcisismo são elementos que tornam o ser humano mais egoísta e, portanto, menos atento às necessidades dos outros? Isso pode gerar violência também?


Sim. O Bhagavad Gita, considerada a Bíblia dos hindus, nos mostra uma alegoria onde os cinco irmãos que são virtuosos, os Pandavas, travam uma batalha com os 101 irmãos Kuravas, que representam, alegoricamente nossos defeitos e maus hábitos. Essa luta, na verdade, simboliza a batalha que cada ser humano deve empreender, diariamente, para conquistar, dentro de si, a vitória do Bem contra o Mal. A melhor interpretação que já li dessa sagrada escritura é de Paramahansa Yogananda. Ele esclarece em profundidade como essa batalha é travada dentro de nós e como podemos vencê-la, passo-a-passo, seguindo o caminho do auto-conhecimento e da meditação.

Armas de brinquedo, videogames e filmes violentos podem influenciar negativamente as crianças?

Armas de brinquedo, como espadas de madeira e outras do tipo, não necessariamente, pois existe essa necessidade do ser humano de se sentir lutando contra o mal. Dependendo de como for a brincadeira, ela pode até estimular nessa luta interna contra o mal. Já os videogames de lutas e filmes violentos podem realmente banalizar a violência como sendo algo corriqueiro e estimular um desejo por cenas cada vez mais violentas, onde começa a entrar as perversidades.


Os pais estão atentos ao ensinamento de valores importantes para a cultura da paz, como respeito às diferenças, tolerância, solidariedade etc?


Alguns sim, e muito. O problema é que temos pouco conteúdo de qualidade sendo gerado para o público infantil, e os pais acabam se rendendo ao que é menos ruim.


Como os pais podem incentivar as crianças, no dia-a-dia, a assumir atitudes e valores relacionados à cultura da paz?


Os pais devem procurar cultivar uma vida simples, ensinando para as crianças a ajudarem nas pequenas tarefas da casa para que possam valorizar essa atividade na sociedade. Devem promover brincadeiras singelas na casa, permitindo-se entrar no lúdico do universo infantil, ao invés de tentar transformar as crianças em mini-executivos, com celulares e toda sorte de objetos de consumo. Preferir sempre os passeios ao ar livre, em parques e sempre que possível viajar para o campo, mar ou montanhas e ali vivenciar uma vida mais simples, desacelerada. A arte e a música tranqüila auxiliam também muito nessa vivência de paz.


Casais que se respeitam, que conversam pacificamente e solucionam conflitos de maneira tranqüila dão um exemplo importante de convivência harmoniosa para seus filhos?


Sim. Dessa forma, eles podem perceber que isso é possível nos relacionamentos humanos. E quando os pais não conseguem se manter na equanimidade e acabam por ter uma discussão na frente das crianças, devem conversar com elas depois e dizer que aquilo não é o ideal, e até pedirem desculpas pelo seu descontrole. Assim estarão também ensinando uma das maiores virtudes: a humildade.

Qual o papel da escola e demais educadores neste processo?

Como os pais, em sua maioria, passam muitas horas em seus trabalhos, sobrou para a escola exercer o papel de formar não só o conteúdo pedagógico, mas o próprio caráter da crianças. Nesse sentido, é urgente que as escolas percebam que são elas mesmas que terão que ensinar virtudes e valores para as crianças, pois seus pais, mesmo quando passam esse conteúdo para seus filhos, permanecem muito pouco tempo com eles e, para ensinar valores, é necessário tempo e paciência.


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