Cara Júlia :
Ju, estou olhando uma foto sua. Como você está linda!, puxa vida, o tempo passa voando... já fez sete anos.
O seu cabelo está lindo, preto, liso e comprido. Embora esteja ficando banguela, seu sorriso continua encantador. Dá para perceber quanto você está feliz.
Sua mãe, muito orgulhosa, disse que você está na primeira série e está muito fácil aprender a ler e escrever, como vocês falam, "é bico". Ela comentou da sua enorme curtição em nadar, e do monte de amigas que adoram você e a convidam para dormir na casa delas, ou pedem para que você as convide a ficar na sua casa. A brincadeira preferida é a de "mamãe e filhinho" com as bonecas (no seu quarto tem muitas), fazendo de conta que formam uma bonita família.
Embora todas as meninas gostem dessa brincadeira, para você deve ter um significado muito especial, pois seus pais a adotaram poucos dias depois de ter nascido.
Lembro muito bem quando conheci você, com dez dias de vida. Pequena (tipo mignon), "carequinha" (nada a ver com o seu lindo cabelo de hoje), olhos pretos enormes (sua mãe dizia que pareciam jabuticabas). Você parecia frágil, porém decidida e corajosa, e quando ficava com fome (o que acontecia repetidas vezes durante o dia e a noite), que sufoco!, chorava que era de assustar, que pulmões você tinha. Seu pai falava: quando Ju está faminta e "bota a boca no trombone", é melhor sair de perto. Mas era só nessa hora que você virava uma ferinha, já que quando a sua barriga estava cheia, aparecia esse seu sorriso pequeno e doce, ficando tudo na santa paz.
Seus pais, olhando para você, "ficavam babando", felizes e emocionados. Os três precisavam de babador!
Não sei se você sabe, eu conheço seus pais desde bem antes de eles se casarem, acompanhei o namoro deles. Estudei com seu pai e participei de seus projetos e de seus sonhos. Seu pai e eu nos formamos médicos no mesmo ano.
Após um tempo, eles comunicaram aos amigos que iam se casar. Foi uma festa bonita. Você não imagina a quantidade de arroz que jogamos nas cabeças deles, ao saírem da igreja.
Eu continuei muito amigo deles e sabia da enorme vontade de terem filhos: "Dois, um menino e uma menina", sua mãe falava.
O tempo foi passando, os amigos foram casando e tendo filhos, e com os seus pais, nada! Sua mãe não engravidava. Eles foram ficando tristes e ansiosos, porque após muitos anos juntos, se amando demais e gostando tanto de crianças, não conseguiam ter filhos. Fizeram de tudo, visitaram muitos médicos, realizaram montes de exames e radiografias (alguns chatos e dolorosos). Eles falavam que tudo valia a pena para realizar o sonho. Muito desespero e nenhum resultado.
Sofriam e choravam, embora os amigos tentassem sempre dar uma força. Seu pai falava: "Ah! se tivesse um filho, lhe ensinaria a fazer pipas (ele faz pipas maravilhosas), a chutar direitinho, e a dar cambalhotas, mas sendo uma filha, também vou gostar, farei brincadeiras de menina, porém sem esquecer das pipas e cambalhotas... e até de jogar bola!".
Sua mãe achava que tendo um filho, tanto fazia se menino ou menina, seria a mulher mais feliz do mundo! ! !
Um belo dia, após o longo período de sofrimento e frustração, começaram a pensar em outro jeito de ter um filho. Decidiram adotar uma criança. Eles diziam: "Não vai ser da barriga e sim do coração".
Foram ficando mais tranquilos, bem mais alegres, a tristeza ia sumindo aos poucos, seu pai repetia para todo mundo uma poesia que falava dos sonhos dele:
"Se por viver todo o bom,
tive que viver todo o ruim.
Não renuncio a nada do ruim
para não perder nada do bom"( 7)
- Parte II
- Parte III
* Dr. Leonardo Posternak é médico pediatra,
membro do Departamento de Pediatria do Hospital Israelita Albert Einstein.
Co-autor do livro
E Agora, o que Fazer? A Difícil Arte de Criar os Filhos, Editora Best Seller.
Autor de
O Direito a Verdade - Cartas Para Uma Criança, Editora Globo.