Quarta-feira, 18 de setembro de 2024 |
Perder, Jamais!Meu filho perdendo? Imagina! Ele é campeão desde cedo e, depois, nesse mundo competitivo não há espaço para perdedores... |
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"Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu um enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Arre! Estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?"
Fernando Pessoa, Poema em linha reta
O poeta português sabia das coisas, não sabe? Claro que sim! Você, pai ou mãe, que vive mergulhado em seu mundo profissional reconhece que estamos cercados de semideuses. É um mundo voltado para o sucesso, a qualquer preço. O trabalho lhe diz isso, a TV, os jornais e as revistas também. Para qualquer direção que olhemos, a imagem do sucesso tem que estar presente: o automóvel do vizinho, a roupa de grife do amigo, aquela modelo linda de morrer...
Da aquisição do celular à escolha da escola do filho, tudo parece apontar para o sucesso. Nunca se teve tão pouco dinheiro e se ostentou tanto! O que estará por trás disso?
Bem, como pais, é importante refletir sobre esse mundo que aí está e buscar um posicionamento mais adequado diante de determinadas situações vividas por seu filho. Ou o fazemos agora, quando ainda há tempo, ou perderemos o bonde e perpetuaremos a cultura do sucesso a qualquer preço.
Sim, os pais sempre agem imbuídos das melhores intenções. Num mundo tão competitivo como o nosso, como não preparar as crianças e jovens com eficiência? Como deixar de cumprir o papel de dar todos os instrumentos para que os filhos se saiam bem no futuro? Nada mais justo, sem dúvida.
Porém, há uma diferença entre oferecer os meios, incentivar, agir com sensibilidade e esperar que, a qualquer custo, as crianças se dêem bem.
Inúmeras vezes os pais não percebem o alto grau de expectativa que possuem em relação aos filhos. Demonstram-no, de forma descabida, no jogo de futebol do campeonato da escola, nas notas do boletim escolar e, até mesmo, ao presenciar cenas de brincadeiras entre seus filhos e demais crianças. Eles se transformam em espelhos, como se os pais quisessem ver nas crianças seus sonhos não realizados. Os filhos se tornam, então, o prolongamento do pai ou da mãe. Nada mais aterrador e sufocante para o garoto ou garota! Como dar conta do que esperam?
Não bastasse o sentimento de impotência por parte da criança (que, naturalmente, quer agradar...), quando os pais agem dessa forma, eles se esquecem de três questões fundamentais.
Nunca foi tão importante fazer com que os filhos enxerguem seus limites. Há, hoje, uma profunda falta de humildade, de reconhecimento de que não somos super-heróis e de que não damos mesmo conta de tudo. Mas os filhos precisam que os pais também mostrem suas fragilidades, suas necessidades, sua incompetência para fazer algumas coisas.
Incompetência sim. Se os pais não começarem a apontar suas limitações claramente, das financeiras às emocionais, jamais conseguirão mostrar às crianças o que é batalhar duramente pela vida. A conseqüência? Adultos despreparados para o mundo e suas vicissitudes. Percebeu o que ocorre? Exatamente o inverso do que esperavam: o sucesso.
Talvez o segredo esteja no equilíbrio de tudo. Possivelmente temos que dar os instrumentos necessários e orientar os filhos para que estes instrumentos sejam usados de forma digna, em benefício de si próprio e do outro.
A competitividade existirá sempre. Existe na família, na sala de aula, no trabalho. A questão não é eliminá-la, pois isso é impossível. O desafio é lidar com ela de forma limpa, ética, sem prejuízo do outro. No jogo do ter e do ser, embora o primeiro, no momento, esteja ganhando, cabe aos pais reverter o placar. Rápido e urgente. Comece por você, nos pequenos atos do cotidiano. É no pequeno que se faz a grande transformação.
* Norma Leite Brandão é pedagoga e educadora.
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