Terça, 16 de abril de 2024
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Por que é tão difícil viver a dois

Por dra. Magdalena Ramos *


Um belo dia você se flagra numa tremenda crise nostálgica, morrendo de saudade dos tempos de namoro. Saiba que isso é muito comum e que, felizmente, o problema tem solução.

Quando conheceu o homem que se tornaria seu marido, Fernanda S., 36 anos, acreditou ter encontrado o grande amor de sua vida. "Mauro era romântico e atencioso. Nunca brigávamos e, em poucos meses, já pensávamos em nos casar. Só via o Mauro na minha frente, afastei-me das amigas. Nosso namoro foi muito bonito. Viajávamos, saíamos para jantar, dançar... Mas as coisas começaram a mudar. De repente aquele Mauro que conheci se revelou um homem impaciente, egoísta. A compreensão deu lugar à prepotência, ao mau humor. Em pouco tempo as discussões se transformaram em brigas horríveis. Fico me perguntando onde eu errei. Mauro não era nada daquilo que acreditei que fosse", lembra.

Medo da solidão

A história de Fernanda é mais comum do que se supõe. Embora muita coisa tenha mudado nas últimas décadas, certos aspectos essenciais da vida, como a relação entre os casais, seguem modelos antigos - ainda que ambos se comuniquem com telefones celulares e que sete entre dez crianças sejam filhas de pais separados.

Como provavelmente aconteceu com muitas de nossas mães e avós, num piscar de olhos o namorado se torna o ser perfeito que vai se encaixar em nosso sonho. Isso acontece porque, na adolescência, os jovens idealizam o futuro par. Por ser mais romântica, a mulher insiste mais nisso. Mas ele também sonha constituir uma família. No fundo, ambos têm medo de enfrentar a solidão, a falta de aconchego e fogem dos próprios sentimentos. A garota quer encontrar alguém que a proteja. Então, ao longo dos anos, vai construindo o "homem da sua vida", pendurando nele as qualidades que gostaria que tivesse. Quando vislumbra a possibilidade de uma relação mais duradoura, projeta na pessoa tudo o que imaginou. Ter um par é confortável, elimina o medo da solidão.

Jogo duplo

Não se trata de despejar a responsabilidade toda sobre os ombros de um dos dois. Acontece que o outro quer seduzir e, a exemplo das relações de trabalho - nas quais o candidato ao emprego elabora um currículo ressaltando apenas as qualidades -, o parceiro mostra suas melhores facetas e omite os defeitos. Você já ouviu um ser apaixonado confessar que é pão-duro ou rabugento para a pessoa que deseja conquistar? Essa atitude reforça ainda mais a imagem idealizada. Homem e mulher jogam e, juntos, produzem o engano.


O verdadeiro conhecimento acontece com o convívio, e então surgem as desavenças. Não há quem não corra o risco de se decepcionar, pelo menos um pouco, com seu par. É até previsível. De certa forma, todo mundo cai na real na vida a dois. Mas, quanto melhor cada um elaborar seus próprios sentimentos e frustrações, menos precisará se pendurar em alguém. E a queda será, naturalmente, muito menos dolorida. O problema se agrava quando existe muita distância entre a realidade e a idealização. Nesses casos, a relação tem poucas chances de sobreviver. Um se sente traído pelo outro e brotam sentimentos como raiva e ódio. O desencanto aparece e mina o relacionamento.

Operação resgate

É inevitável que venha a pergunta: "Faz sentido continuar?". Perceber que, ao seu lado, existe simplesmente uma pessoa - nem príncipe nem sapo - pode ser o primeiro passo para chegar perto da resposta. Mas a relação vai depender do grau de maturidade dos dois. A insegurança, por exemplo, nos leva a nunca ceder nem a ampliar a visão para incluir a do parceiro. Muitas vezes a terapia de casal é a solução para desatar os nós. Ou, num trabalho individual, é possível detectar os pontos que dificultam o relacionamento. É a hora de descobrir novos aspectos no parceiro e desenvolver a relação, que não vem pronta e tem de ser construída.


Quem se dispõe à terapia de casal deve se armar de muita disposição e coragem, pois o processo envolve investimento de tempo, abertura para negociar, ceder, discutir, ouvir. A partir da "nova convivência" é que a vida a dois terá bases um pouco mais reais. Quando a relação é meramente burocrática, o casal tem uma vida absolutamente superficial. Cuida da casa e dos filhos, mas não consegue cuidar do relacionamento. Tenha em mente que a vida a dois não é um mar de rosas, porém pode ser bem mais confortável quando existe diálogo, troca afetiva e confiança mútua.


* dra. Magdalena Ramos é terapeuta de casal e família, coordenadora do Núcleo de Casal e Família da PUC-SP, autora de diversos livros, entre eles E Agora, o que Fazer? A difícil arte de criar os filhos, em co-autoria com Leonardo Posternak, Agora Editora.

Outros livros da autora:

Casa e Família como Paciente - Editora Escuta
Introdução à Terapia Familiar - Editora Ática
Terapia de Casal e Família (organização) - Editora Brasiliense


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